E pelo que parece São Pedro quer entrar nos créditos do documentário de qualquer jeito, pois em mais uma gravação ele nos premia com um dia lindo de sol forte. Mais uma vez, o time se reúne inicialmente no Largo do Paissandú e a missão do dia é entrevistar três dos principais integrantes da Velha-Guarda da Escola de Samba Rosas de Ouro: Dicá, Maria Helena e Mug.
Quem abriu as portas de sua casa, muito amavelmente, foi Mug, compositor e um dos fundadores do Rosas de Ouro, lá realizamos quase duas horas de gravação, que nos renderam depoimentos emocionantes sobre como eram as escolas de samba no início de sua formação, a realidade dos integrantes da escola, a falta de reconhecimento dos antigos sambistas pela sociedade e também curiosidades sobre os instrumentos musicais da época.
Dicá nos falou que o tamborim era quadrado e que os instrumentos eram feitos com couro e eram aquecidos no jornal, na fogueira, da mesma forma que já havia sido comentado numa entrevista anterior, pelo amigo do Zeca, ou seja, é ver pra crer no tamborim quadrado!
Maria Helena, que por dez anos esteve à frente do Rosas de Ouro, como primeira dama, comentou da falta de um Memorial em homenagem aos negros, assim como há no bairro da Liberdade, em São Paulo, há o Memorial em homenagem aos japoneses que migraram ao país. Questionamento bem colocado, afinal, a contribuição dos negros africanos na construção deste país foi imprescindível!
Dicá que, juntamente com a esposa Maria Helena, foram nomeados Cidadãos Samba de 2004 Embaixadores do Samba Paulistano, lembrou da época dos seus pais, quando havia ainda bastante opressão da polícia para com os sambistas, quando havia a “Lei da Vadiagem”, que abria a possibilidade de pessoas humildes e sem emprego serem presas pelo simples fato de estarem na rua sem fazer nada e não terem emprego. Mais quem não tinha emprego naquela época? Principalmente eram cidadãos negros, que, quando era pela falta da famosa “boa aparência” era pela falta de estudo que não conseguiam emprego, e, além disso, eram coibidos de perambular pelas ruas com a possibilidade de serem presos pela policia que se respaldava na famosa “Lei da Vadiagem”. Este fato comentado me lembrou cenas do filme “Uma onda no ar”, do diretor Helvécio Ratton, que aliás é um bonito filme sobre a rádio comunitária de Belo Horizonte, com um olhar atento e menos estereotipado que a maioria dos filmes sobre o tema.
Maria Helena, Dicá e Mug compartilharam conosco histórias e relatos de um preciosismo enorme, sabedoria pura. Com suas vozes afinadas cantaram músicas feitas pelo Zeca e por eles mesmos, que o homenagearam com suas letras e melodias. Foi um momento muito emocionante.
Algumas características do Zeca da Casa Verde são mencionadas com regularidade pelos nossos entrevistados: principalmente sua genialidade e humildade. A cada dia parece que nos tornamos mais íntimos do nosso protagonista “Zeca”, sentimos como se ele fosse uma pessoa próxima, e a cada entrevista desvendamos mais algum mistério da sua bonita e persistente caminhada.
Obrigada Maria Helena, Dicá e Mug! Obrigada Zeca!
Trocando ideia entre as gravações:
Entre uma gravação e outra, entre um almoço, um suco de laranja e uma cerveja o grupo sempre inicia uma discussão ou uma troca de ideia, principalmente sobre temas relacionados ao nosso trabalho e áreas de interesse: filmes, músicas, questões da negritude (e são tantas!).
Quase tão ricos quanto às próprias entrevistas, esses momentos tornam-se um espaço onde podemos discutir assuntos ligados as atividades de cada um de nós, que tem pontos de intersecção, é claro, e que não podemos discutir facilmente em outros grupos sociais dos quais fazemos parte. Ah! A velha questão da identidade, da identificação, de conseguir ser e sentir-se compreendido.
Desabafos a parte a discussão de hoje versou sobre os filmes: “Bróder”, do Jeferson De, “Ônibus 174”, “Tropa de elite 1” e “Tropa de elite 2” do diretor José Padilha. Afinal quem consegue sair do estereótipo ou não? Colocar atores negros protagonistas em cena é importante? “Pô, mas esse filme não saiu do censo comum!”, “Ah, mas o filme mostra a realidade!”, foram essas e outras questões que nós nos fizemos. A discussão vai longe, então paro por aqui. Só mais dois pontos lembrados pelo Akins para gente pensar: será que nós, enquanto pessoas envolvidas com a causa negra sempre nós sentiremos retratados de forma incompleta pelos filmes?, e segundo, se a “responsa” tivesse no nosso nome será que iríamos conseguir fazer algo diferente do que criticamos? Fica aí o dilema.
Fotos: Cassimano.